terça-feira, 25 de setembro de 2012

William Blake


William Blake nasceu no dia 28 de novembro de 1757 em Londres, segundo filho do casal James e Catherine Blake.  Viveu sua infância em meio a paisagem pastoril dos subúrbios de Londres apreciando os campos verdes e os bosques, o que veio a influenciar toda a sua vida, bem como suas obras.

Aos oito anos de idade ele relatou ter tido sua primeira experiência como vidente: durante uma dessas caminhadas, olhou para uma árvore e a viu repleta de anjos, o que foi considerado pelo seu pai como uma mentira (A figura do anjo sempre acompanharia Blake e sempre estaria presente em seu trabalho, embora seu significado viesse a sofrer várias transformações).

Em 1782, aos 24 anos, Blake casou-se com Catherine Sophia Boucher, uma jovem simples e analfabeta, a quem ele viria  a ensinar a ler e pintar, e que o auxiliaria ao longo de sua vida, colorindo grande parte de suas gravuras. O talento artístico de Blake foi desenvolvido e ficou evidente após tornar-se aprendiz do grande impressor James Basire que lhe atribuiu a tarefa de executar ilustrações de tumbas e monumentos na Abadia de Westminster, onde aprendeu a admirar a arte gótica e também artistas de escolas anteriores, tais quais Durer, Rafael e Michelangelo.

Considerado maníaco, Blake era impopular. E sabia por quê: como homem, intratável; como artista e escritor, excêntrico. Na verdade, os adjetivos se aplicam a uma única personalidade. Obsessivo, defendia suas ideias alheio a quaisquer consequências; visionário praticava uma arte complexa rejeitada por colegas de ofício e ignorada pela maior parte do público. Ou seja, Blake moldara seu caráter e sua obra com a matéria inquebrantável do ideal. 

Seus dois importantes livros de poesia - Songs of Innocence (1789) e Songs of Experience (1794) - traçam o eixo de sua obra, que poderia ser identificado com uma busca jamais concluída por ele e que oscila sempre entre um extremo e outro: recuperar a felicidade da infância ameaçada pela corrupção do homem maduro. Este homem, no entanto, torna-se a via para o alcance da harmonia entre natureza e espiritualidade. O tema de Blake é a sondagem da alma humana através do conflito eterno entre o bem e o mal, a inocência e o pecado. E se, para isso, ele recorre à natureza, é para transformá-la em seguida em verdade espiritual. Com ânsia de romper furiosamente a tradição do sistema religioso ocidental, ele cedeu a necessidade de criar seu próprio sistema místico, influenciado por Swedenborg, Paracelso, Bohme e a Bíblia, de um lado, e Milton, Dante e Shakespeare, de outro. Por isso seu universo está repleto de deuses ou personificações como Urizen, Los, Orc, etc., representantes de uma utopia concretizada em palavras poéticas e imagens gravadas, uma nascida de seu ventre retorcido e animada por seu próprio hálito.

A formulação poética e conceitual desse universo particular se dá em dois pequenos livros “proféticos”, produzidos no mesmo período que o dos livros poéticos - O Livro de Thel (1789) e O Matrimônio do Céu e do Inferno (1790); um universo que se desenvolve nos escritos posteriores e se converte na espantosa construção das últimas obras.

Blake parece nos desprezar, quando na verdade apenas nos provoca. Suas idéias, misturadas a arquétipos - valores espirituais e etapas do desenvolvimento do espírito -, se expressam em paradoxos, visando a subversão dos conceitos cristãos em nós enraigados, atraindo-nos para sua convicção de que a dicotomia (Bem = Alma = Céu; Mal = Corpo = Inferno) é causa da infelicidade humana. Apenas a interação dessas duas faces seria a fonte da felicidade plena. O recurso usado por ele foi privilegiar a imaginação e relegar a segundo plano a razão, limitadora do Gênio Poético.

“Faça o que faça, a vida é ficção, / E formada de contradições.” A visão recupera a identidade humana, propõe Blake, pois com “engenho e arte” o homem casa os contrários. Para isso, porém, deve utilizar a chave, a imaginação, ou visão. Na primeira visão, percebe o mundo em sua aparência; na segunda, olha e entende as imagens intelectualmente, com o auxílio dos conhecimentos adquiridos; na terceira, acrescenta emoção ao conhecimento, de modo a compreender e sentir ao mesmo tempo; na quarta, penetra no reino da percepção espiritual, que lhe permite captar a única realidade “real”: a alma universal, eterna, princípio formador, em contraste com o mundo temporal, mera sombra. Assim é em O Matrimônio; assim é em Thel: “A Imagem Imaginativa retoma pela semente do Pensamento Contemplativo”, diz ele.

Nas palavras de um crítico e historiador da literatura que soube compreendê-lo e sintetizar a natureza de sua dificuldade, OttoMaria Carpeaux: 

(...) aquelas mitologias fantásticas não se limitam a séculos longínquos: os paranoicos, nos manicômios modernos, continuam a fabricar religiões particulares dessa espécie. Blake está situado entre profeta e louco; a verdade das suas visões reside na sinceridade do amor humano que é a base das suas conclusões revolucionárias, e a expressão dessa verdade é uma poesia de pureza celestial”.

Em doze de agosto de 1827, 3 Fountain Court, Strand, Londres: assistido pela mulher Catherine Sophia, Blake morre aos 69 anos. Em seu leitor de morte ainda encontrou forças para executar o retrato da esposa, sua fiel companheira. Acredita-se que suas últimas palavras tenham sido: "Vocês não podem imaginar quão maravilhoso é o lugar para onde estou indo". 

O Limpa-Chaminés

Chaminés eu varro, na fuligem me aninho,
Pois perdi minha mãe ainda bem pequenininho.
E quando fui vendido por meu genitor,
Mal podia gritar "limpador!", "limpador!".

Tom Dacre, de cabelo cacheado,
Chorou ao ver que havia sido tosado:
"Tom, não te aborreças se raspam tua cabeça,
Não há mais fuligem que teu cabelo enegreça".

Tom então se acalmou, e assim que dormiu,
Naquela mesma noite, em seu sono viu
Que Dick, Joe, Ned e Jack e outros mil da profissão
Haviam sido lacrados em negro caixão.

Eis que surge um anjo com chave brilhante,
E a todos liberta num mesmo instante.
Sobre verde planície, saltitando e rindo,
Banham-se num rio, ao Sol refulgindo.

Em pálida nudez jogam as trouxas ao chão;
Nas nuvens, brincam ao vento, em distração;
E o anjo disse a Tom que, se ele fosse um bom menino,
Seria feliz por toda vida e filho do Pai Divino.

Tom então despertou e, antes do alvorecer,
Voltamos com escovas ao nosso dever.
Fazia frio de manhã, mas Tom estava aquecido;
Pois quem cumpre o dever jamais será ferido.

(Canções Da Inocência - 1789)




O Monte & o Grão


"O Amor não busca o Próprio agrado,
Nem por si mesmo tem cuidado;
Mas pelo outro tem esmero,
E cria um céu no desespero".

Assim cantou um monte de Barro,
Pisado pelos pés do gado;
Porém, um grão do ribeirinho
Cantou seus versos direitinho:

"O Amor a Si quer agradar,
E em outro alguém Se deleitar;
Alegra-se com a aflição alheia
E o Céu, num Inferno incendeia".

(Canções Da Experiência - 1794)



A Voz do Demônio

Todas as Bíblias ou códigos sagrados têm sido as causas dos seguintes Erros:
1. Que o Homem possui dois princípios reais de existência: um Corpo & uma Alma.
2. Que a Energia, denominada Mal, provém apenas do Corpo; & que a Razão,denominada Bem, provém apenas da Alma.
3. Que Deus atormentará o Homem pela Eternidade por seguir suas Energias.
Mas os seguintes Contrários são Verdadeiros:
1. O Homem não tem um Corpo distinto de sua Alma, pois o que se denomina Corpo é uma parcela da Alma, discernida pelos cinco Sentidos, os principais acessos da Alma nesta etapa.
2. Energia é a única vida, e provém do Corpo; e Razão, o limite ou circunferência externa da Energia.
3. Energia é Deleite Eterno.


Quem refreia o desejo assim o faz porque o seu é fraco o suficiente para ser refreado; e o refreador, ou razão, usurpa-lhe o lugar & governa o inapetente.
E, refreando-se, aos poucos se apassiva, até não ser mais que a sombra do desejo.
Essa história está relatada no Paraíso Perdido, & o Governante, ou Razão, chama-se Messias.
E o Arcanjo Original, ou possessor do comando das hostes celestiais, chama-se Demônio ou Satã, e seus filhos chamam-se Pecado & Morte.
No Livro de Jó, porém, o Messias de Milton chama-se Satã.
Pois essa história tem sido adotada por ambos os lados. Em verdade, pareceu à Razão que o Desejo havia sido banido mas, segundo a versão do Demônio, sucumbiu o Messias, formando um céu com o que roubara do Abismo.
Isso revela o Evangelho, onde ele suplica ao Pai que envie o confortador, ou Desejo, para que a Razão possa ter Idéias sobre as quais se fundamentar, não sendo outro o Jeová da Bíblia senão aquele que moranas flamas flamantes.
Sabei que Cristo, após sua morte, tornou-se Jeová.
Mas, em Milton, o Pai é Destino, o Filho, Quociente dos cinco sentidos, & o Espírito Santo, Vácuo!

NOTA: A razão pela qual Milton escreveu em grilhões sobre Anjos & Deus, e em liberdade sobre Demônios & Inferno, está em que ele era um Poeta autêntico e tinha parte com o Demônio, sem sabê-lo.

(O Matrimônio Do Céu E Do Inferno - 1790)



Referências Bibliográficas:

BLAKE, William, 1757-1827. Canções da inocência e Canções da experiência: os dois estados contrários da alma humana / William Blake; tradução, textos introdutórios e comentários Gilberto Sorbini, Weimar de Carvalho. - São Paulo: Disal, 2005. 
______, O matrimônio do céu e do inferno e O livro de Thel / William Blake; tradução José Antônio Arantes.- 3.ed.-5. reimpressão - São Paulo: Iluminuras, 2007. 


Postado por Christopher 

6 comentários:

  1. Heloisa Rocha Pires 30/09/2012
    Gostei muito dos desenhos de Blake, me pareceu super moderno para a época. O trabalho sobre o Inferno de Dante traz um que de surrealismo nas figuras. Em A voz do demônio, seu corpo tem um movimento, parece que está patinando...Não é a toa que ele foi na época mais famoso como gravurista e desenhista! Vale lembrar que ele viveu a época do Iluminismo, e esse povo não era bobo nem nada, não é mesmo?

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  2. Embora seja uma produção artistíco-literária do século XVI os temas abordados nessa época do passado são também abordados hoje, claro que com uma roupagem diferente. A constante busca pela realização amorosa e assim como a insessante luta do bem X mal.

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  3. Só mesmo um poeta para ter coragem de escrever:
    "O amor a Si quer agradar/ E em outro alguém Se deleitar/ alegrar-se com a aflição alheia"
    A verdade, mesmo incomodando e mostrando nosso lado negativo, diminui o índice de mentiras no mundo, fazendo da vida melhor.
    Por falar coisas como essas, que ele deve ter sido chamado de louco e de poeta.

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  4. Interessante o que faz a nós transpassar na alma o trabalho vigoroso de William Blake; o seu labor poético disseca a alma do homem, sua pesquisa mental nasce do próprio perfume de uma natureza campesina; trabalha a vida que desfralda o tom do oxímaro. Busca na contradição liberta uma junção fundadora da felicidade plena. A luta poética travada por Blake entre o bem e o mal Shakespeare também travou. Para o primeiro a natureza esculpe e mostra a realidade utópica e inalcançável ao homem. A sensação sentida por uma criança de um adulto é de confiança e, para isto basta ser adulto, mas ao compreender o mundo as irresponsabilidades, a infantilidade descarada, e o viver o não ético estarão servidos em um prato de ouro.

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  5. Em "Canções da Inocência, O Limpa-Chaminés
    " William Blake salienta a ingenuidade das crianças, que foram obrigadas a crescerem mais cedo, tornando-se assim adultos devido ao contexto em que estavam inseridas. Embora atualmente o trabalho infantil seja bem menor do que em tempos passados, não é difícil encontrar exemplos vivos de crinças com a sua infância roubada. Portanto, como a Sandra comentou, o tema ainda tem grande relevância para a sociedade atual.

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  6. Fernando Ribeiro da Silva9 de novembro de 2012 às 07:53

    Achei interressante ver que seus textos se apresentavam como se fossem fábulas. Até mesmo tendo uma representação no estilo da capela cistina, quando o texto faz referencia a um texto bíblico.

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